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Mestre Camisa: de volta às raízes

Mestre Camisa


Entrevista cedida pelo Mestre Camisa ao A Tarde On Line antes dos VI Jogos Mundiais de Capoeira realizados na Bahia.

José Tadeu Carneiro Cardoso tem 52 anos, nasceu em Jacobina e viveu até os 17 anos em Salvador, onde aprendeu os fundamentos da capoeira na academia que Mestre Bimba mantinha no Pelourinho. Antes de completar a maioridade, radicou-se no Rio de Janeiro, onde fundou, em 1988, a Abadá-Capoeira, instituição que viria a se tornar a maior escola de capoeira do mundo. Mestre Camisa tem seguidores espalhados por todos os estados brasileiros e em 40 países dos cinco continentes. Dos 36 mil associados em todo o mundo, 3 mil são aguardados em Salvador para o Festival promovido pela Abadá-Capoeira.
“Nunca trabalhei em outra coisa na vida que não fosse a capoeira”, orgulha-se Camisa, ele próprio ansioso para voltar à capital baiana e percorrer o caminho que fazia diariamente de sua casa, na Lapinha, até a academia de mestre Bimba, no Pelourinho. Mais que voltar às raízes, a caminhada - que integra a programação do Festival Internacional da Arte Capoeira – tem caráter de dupla homenagem: reverenciar Mestre Bimba, a quem Mestre Camisa chama de “segundo pai”, e a Bahia, berço da capoeira.
A TARDE ON LINE – O que representa para a capoeira o lançamento de um filme com distribuição nacional sobre a trajetória de Mestre Bimba?

Mestre Camisa - O filme tem o mérito de mostrar não apenas o Mestre Bimba como um grande lutador que era, mas como um grande educador, um mantenedor da cultura afro, um grande soba (chefe). Foi ele quem desenvolveu o primeiro método de ensino de capoeira no Brasil, é um baluarte, uma referência para qualquer capoeirista. Sem desmerecer os demais, Bimba é, junto com Mestre Pastinha, o maior mestre que a capoeira já conheceu. Ambos serão homenageados no Festival.
O que Mestre Bimba representa para você?

Perdi meu pai com 10 anos, minha mãe com 16. Mestre Bimba foi meu segundo pai, aprendi com ele lições de vida, de luta e profissão, de filosofia de vida. Aprendi a ganhar e a perder. Sou um baiano voltando à sua terra, bebendo água da Fonte. Por isso fiz questão de colocar como um dos eventos da programação oficial uma caminhada que repete o trajeto que eu fazia há 35 anos quando era aluno de Mestre Bimba, saindo de minha casa, na Lapinha, até a academia, no Pelourinho.
Como nasceu a Abadá capoeira?

Viajei em turnê pelo grupo folclórico Furacões da Bahia, fizemos uma excursão pelo Nordeste e Sudeste que terminou no Rio de Janeiro. Estava desmotivado em voltar a Salvador, porque sabia que Mestre Bimba estava indo para Goiânia. Resolvi ficar no Rio de Janeiro, dando aula profissionalmente, uma coisa que era quase impossível de se fazer na Bahia. Fundei a Abadá-Capoeira em 1988 porque senti a necessidade de uma instituição que ajudasse na profissionalização dos capoeiristas. Hoje a Abadá-Capoeira está presente em todos os Estados do País e em mais de 40 países, com mais de 30 mil afiliados.
Qual o papel da capoeira no mundo globalizado?

É a arte brasileira que mais cresce, que mais divulga o Brasil fora do Brasil. O estrangeiro que começa a fazer capoeira tem que cantar músicas em português e aprender o jeito de gingar e lutar do brasileiro. Não é à toa que o ministro Gilberto Gil disse que a capoeira é um exemplo a ser seguido porque está no mundo inteiro sem nunca ter recebido apoio oficial. O estrangeiro começa a se abrasileirar jogando capoeira.
Mas a capoeira é uma manifestação cultural tipicamente brasileira ou africana?

A capoeira é uma manifestação afro-brasileira. Os africanos são os avós da capoeira, mas até que me provem o contrário, a capoeira foi criada no Brasil. E se o digo com tamanha convicção é porque pesquisamos. Temos um projeto chamado “Em busca das raízes”. Rodamos a África inteira, Angola, África do Sul, Guiné-Bissau, Senegal, Cabo Verde e ouvimos muitos estilos musicais com o berimbau, vimos muitas lutas e acrobacias parecidas com a capoeira, mas nenhuma delas igual à capoeira, nenhuma delas com a associação entre o jogo e o toque do berimbau como existe na capoeira.
Que tipo de apoio oficial você teve para o Festival?

Entrei com um projeto no Ministério da Cultura, mas a greve dos funcionários, de mais de dois meses, acabou atrapalhando. Também mantivemos contatos com as secretarias de turismo e cultura do Governo da Bahia e da Prefeitura de Salvador. Por enquanto ainda não conseguimos nada, mas tenho esperança que vou conseguir todo o apoio necessário. Afinal, é um evento importante não só para a capoeira baiana, mas para os hotéis, o comércio, os taxistas. Teremos caravanas de vários Estados e convidados de pelo menos 28 países onde a Abadá-Capoeira tem representantes que já confirmaram presença.
Com tantas dificuldades, por que não continuar no Rio?

Esse evento começou e foi realizado cinco vezes no Rio de Janeiro porque minha vida está lá, mas desde que saí da Bahia, há 35 anos, nunca desisti de meu sonho de homenagear meu povo, de agradecer tudo o que a Bahia fez pela capoeira. Tradicionalmente a capoeira também tem suas raízes nos Estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, mas a maneira que ela é jogada atualmente e os grandes mestres espalhados pelo mundo vieram da Bahia. A Bahia foi ao mundo mostrar a capoeira, hoje o mundo vem à Bahia para retribuir.
Quais são os entraves para transformar a capoeira numa modalidade esportiva oficial?

A capoeira cresceu como arte. Enquadrá-la simplesmente como um esporte é empobrecê-la. A capoeira é um universo complexo, e se formos abandonar alguns aspectos só pra levar a capoeira para as Olimpíadas, eu sou contra. A capoeira é redonda, o esporte enquadra. Só podemos pensar em transformá-la em modalidade esportiva oficial se conseguirmos fazê-lo de modo que não sejam abandonados os princípios fundamentais.
E a rivalidade entre os grupos? Não é isso que impede a unificação de critérios?

Não existe rivalidade entre grupos de capoeira, mas entre algumas pessoas de grupos diferentes e mesmo dentro dos próprios grupos. Cada grupo representa um modo de interpretar a arte e todos devem ser respeitados. Nós, da Abadá-Capoeira, temos excelente relacionamento com outros grupos, embora não sejamos propriamente um grupo, e sim uma instituição, com federações nos Estados e confederações em outros países. Mas a rivalidade é coisa do passado.
O vencedor dos Jogos Mundiais de Capoeira, que integram o Festival, pode se considerar o melhor capoeirista do mundo?

Os jogos não servem para apontar o melhor capoeirista, mas estimulam os capoeiristas a melhorarem de nível. O objetivo é fazer com que os capoeiristas passem a trabalhar suas limitações. Levei 25 anos para elaborar esse regulamento. Os pontos são para o jogo, não para o atleta. Isso significa que para me sair bem o que eu preciso é de um bom jogador na minha frente e não de tentar destruir meu adversário.
Quais são os critérios de avaliação?

Todo jogador é obrigado a jogar os toques de Angola, Benguela, São Bento Grande e Iúna. Um corpo de jurados irá avaliar quatro pontos: técnica, objetividade, caracterização e ritmo. A pontuação é dada para o jogo e não apenas para o jogador. Como todo capoeirista é obrigado a saber confeccionar e tocar os instrumentos musicais, o desempate é feito no berimbau.
Aurelio Nunes, do A Tarde On Line
Divulgação/Jornal Abadá

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