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Mestre João Pequeno de Pastinha



FALTA DE MESTRE PASTINHA,
JOÃO PEQUENO É SUCESSOR, CAMARADINHA

Texto e fotos: Brígida Rodrigues



O senhor nasceu onde?
Eu nasci... Em Araci (interior da Bahia), que era a terra de minha mãe, onde morava o pai de minha mãe. E meu pai era de Tanquinho de Feira.

Mestre, eu já ouvi umas histórias do senhor... Fiquei sabendo que o senhor era o terror da Bahia...
Era eu e João Grande. “Nós era” parceiro de jogo. Apelidavam a gente “os caceteiro de Pastinha”. É, meu Deus... Mas João Grande tá velho, já lá encostado, e eu não, eu ainda tô aí... Eu não quero ficar velho, não (risos).

O que é a capoeira pro senhor?
A capoeira é parte da minha vida. Posso dizer que é a minha profissão. Minha profissão mesmo de trabalho é pedreiro. Eu sou pedreiro e pintor de parede, pintor de casa. Mas depois da capoeira eu deixei tudo e só vivo da capoeira.

Desde que idade o senhor começou a jogar a capoeira?
Desde menino que eu ando no meio da capoeira. Agora quem me preparou mesmo foi mestre Pastinha.

E o senhor tinha quanto anos na época em que começou a treinar com Mestre Pastinha?
Uns 40 anos, mais ou menos. Não me lembro...


E seu Pastinha tinha quantos?
Tinha de setenta pra lá (risos).



E hoje o senhor ainda entra na roda de capoeira?
Jogo, canto, eu toco, faço tudo. Sabe quantos anos eu tenho? Entrei agora nos 89 anos.

E jogar capoeira?
Jogar capoeira é bom. A capoeira é... (risos)

É remédio pra tudo?
A Capoeira é liberdade.

O senhor acredita que a capoeira pode ajudar pessoas que têm alguma limitação a superar?
Com certeza. A capoeira até cura doença.

Jogar capoeira faz viver mais?
Eu não sei porque tem capoeirista que morre novo.

Os valentões?
Não, que nada! Valentão é os que “veve” mais... (garganhada)

O senhor é valentão?
Não (risos). Eu tinha vontade de ser valentão. Antigamente, a capoeira angola era uma luta. E eu ouvia dizer que tinha uma luta que batia no adversário sem precisar pegar. Aí eu... Que luta é essa? Quando eu vi a capoeira eu disse, ah, essa tá boa. Mas a minha mãe, quando via minhas intenções, rogava muito a Deus por mim. E eu, em vez de continuar naquele pensamento maluco, hoje eu sou cristão, graças a Deus. Hoje eu sou assim, sentimental. Em vez “deu” ficar valentão eu fiquei sentimental. Qualquer coisa que dá sentimento, eu choro.

O que o senhor acha importante que os alunos do senhor saibam para continuar seu trabalho?
Importante é eles fazerem a capoeira como me encontraram com ela e cuidar dela também.


Cuidar como?
Como eu to fazendo (risos). Eu já andei o mundo inteiro...

O senhor já pensou alguma vez em sair do Brasil?
Não... Quero andar o mundo inteiro para mostrar a capoeira, mas sair do Brasil, sair da Bahia, não.


O senhor acha que a capoeira hoje, comparada com aquela época em que o capoeirista era comparado a um marginal, o senhor acha que ainda hoje as pessoas ainda sofrem preconceito por jogar a capoeira?
Não. A capoeira hoje é arte e o capoeirista hoje é artista.

Naquela época quem jogava capoeira podia ser preso...
Era malandro, era vagabundo...

O senhor chegou a ser preso?
Quando eu cheguei na capoeira, a capoeira já tinha sido libertada.

Qual a diferença daquela época, quando a capoeira era ilegal, para o capoeirista de hoje?
É a mesma coisa.


A capoeira antes era mais violenta?
Mesma coisa. A capoeira violenta, foram algumas que criaram aí, mas não andou não. Como a capoeira regional, foi Bimba que fez. Ele era lutador e achou que a capoeira de angola tava fraca. Aí botou outros golpes de luta e fez a capoeira regional.

O que é capoeira para o senhor?
Eu divido a minha vida em duas partes: a parte espiritual eu entrego nas mãos de Deus e de Jesus Cristo e a parte material é a capoeira. Eu falo sempre assim (risos).

Então quer dizer que a capoeira é a vida do senhor?
Pois é. Com certeza!

O que ficou de bom do aprendizado com Mestre Pastinha?
Foi o meu Mestre. Tudo que eu sei foi ele que me ensinou. Quando ele tava já morrendo, ele disse “João, tome conta disso. Tome conta disso que eu vou morrer, mas somente o corpo. Em espírito, eu vivo. Enquanto houver capoeira, o meu nome não desaparece”. Aí foi que me apelidaram João Pequeno de Pastinha, Pastinha de Vicente Ferreira.

O senhor se lembra de qual cantiga mestre Pastinha mais gostava?
Não, ele não era cantor, não.

E corrido, ele tinha um preferido?
Ele não era cantor de capoeira. Às vezes ele cantava, mas ele era campeão mesmo é de jogo.

E qual é a cantiga ou o corrido que o senhor mais gosta?
A ladainha (começando a cantar):
Quando eu aqui cheguei
A todos eu vim louvar
Vim louvar a Deus primeiro
E “os morador” desse lugar
Agora tô cantando, cantando, dando louvor
Tô louvando a Jesus Cristo
Porque nos abençou
Tô louvando e tô rogando
Tô louvando e tô rogando ao pai que nos criou
Abençoe esta cidade com todos seus moradores
E na roda de capoeira abençoe jogadores, camaradinho
Eu gosto de cantar. Quando nos lugares eu chego, eu gosto de cantar essa ladainha.

Mestre Pastinha fez uma ladainha para o senhor que chama o senhor de cobra mansa...
Era eu e João Grande. Eu era cobra mansa e João grande era gavião. É porque a minha capoeira sempre foi rolada no chão e a de João Grande era capoeira alta. Aí seu Pastinha me botou o apelido de cobra mansa e João Grande, de gavião.

O senhor pode cantar?
Na minha academia tenho “dois menino”
Todos dois se chama João
Um é cobra mansa
E o outro é gavião
Quando um anda “pelos ar”
O outro se enrosca pelo chão, camaradinha


Mestre, o que é esse pulo do gato de que Mestre Pastinha falava quando dizia que o 

O senhor tem alguma visão de como vai ser a capoeira no futuro?
É a mesma coisa de agora. Continua sendo a mesma coisa (muitos risos). É que antes a capoeira era de malandro e hoje não, a capoeira já entrou nas escolas e já tem campeonato de capoeira. A capoeira já está funcionando como arte.

Mestre o que o senhor acha da capoeira contemporânea?
Contemporânea é que vai permanecer de agora em diante.

Contemporânea então é capoeira angola?
É a mesma capoeira, porque a capoeira regional quem fez foi Bimba, Bimba morreu e a capoeira regional acabou.

Porque que Bimba criou a capoeira regional?
Porque ele era lutador e ele achou que a capoeira de angola tava fraca. Aí botou golpe de outras lutas e o nome de regional. Eu ouvi ele dizer assim: “eu botei esse nome de regional porque são coisas que vêm das regiões”. Mas qualquer pessoa bota novos golpes. Seu Pastinha, mesmo, botou. Eu também. E também trenel de alunos.

O senhor acha a capoeira angola fraca?
Eu não acho a Capoeira de Angola fraca, não. Ela não tem é os golpes que tem a regional, nas na hora H, a gente bate (risos).

O que o senhor pensa de um jogo com um angoleiro jogando com um capoeirista da capoeira regional ou contemporânea?
Eu acho que ninguém faz mais capoeira regional, não. Mas pode-se jogar junto. Eles só fazem a capoeira regional porque a capoeira angola é mais jogada no chão. E a regional é no alto.

E o que o senhor acha de ter campeonato de capoeira angola?
Isso é bom. Acho que nunca foi criado isso. Até agora nunca puderam criar campeonato de capoeira nas escolas. As escolas fazendo campeonato de capoeira. Eu tinha vontade que isso fosse incluído na capoeira, campeonato.

E quem vai ganhar e quem vai perder no campeonato?
As escolas. A campeã seria a escola de capoeira que tivesse os alunos que ganharam de todas as outras escolas.

O que o senhor acha que não está bom na capoeira hoje?
A capoeira hoje tá boa. Agora, tem lugar aí ou pessoas que vão fazer capoeira na rua. E capoeira na rua não pode ser uma escola. A escola tem que ser em aposento assim, né? E a rua não pode ser escola de capoeira. Não é bom porque a capoeira é uma arte. E ela na rua é de malandro, é de vagabundo. Por exemplo, a pessoa quer botar uma criança na capoeira, mas pra botar, uma roda na rua não presta, só treino na academia pra ensinar a criança.
Se ganha dinheiro na capoeira com aluno. E aluno tem que pagar para aprender. Nas academias tem que pagar.


O que o senhor pode falar sobre Besouro de Mangangá?
Ele era primo de meu pai, acho que por parte de mãe. Meu pai era de Tanquinho de Feira, de Santana. Besouro de Mangagá não era capoeirista. Eu sei que ele desaparecia (risos).

Como assim?
Botaram besouro na capoeira, mas ele não era capoeirista, não. Besouro sumia, desaparecia... Era de reza, de oração. Tem reza que a pessoa faz pra desaparecer. Desaparecer da vista do povo.


O senhor acredita que desaparece mesmo?
Desaparece sim.
Uma vez quando eu era menino ainda, ia mais meu pai procurar beira de mato pra tirar mel. E um dia a gente foi descansar debaixo de um embuzeiro numa fazenda de um irmão de meu padrinho. Essa cara não era coisa muito boa não... (riso).
Aí eu peguei no sono, dormi em baixo do embuzeiro. Quando eu acordei, meu pai bateu em mim com a mão assim pra eu ficar quieto, né? Pra eu não me bulir. Era a oração que ele tinha, que ele fazia e ali ninguém via ele.


Mas o senhor viu ele desaparecer?
Nem se via mesmo porque eu tava dormindo... Aí quando eu acordei ele bateu assim em mim que eu pra eu ficar quieto. Aí o dono da fazenda chegou andou por ali tudo, mas não viu.

O que o senhor deixaria como mensagem da capoeira pra quem tá começando, pra ler no Jornal Capoeira e levar pro resto da vida?
Eu gosto de dar um conselho: quem faz capoeira ou quer fazer, que façam capoeira com amor. Que não queira desviar a capoeira pelos maus caminhos. Que a capoeira serve pra vida da gente, pra saúde, pra tudo. Faça a capoeira com amor! Que a capoeira antes era de valentão e hoje não... Que hoje eu roguei a Deus para que a capoeira venha a ser uma profissão, não espiritual, mas até pessoal. Esse é o recado que eu tenho para mandar pra quem já sabe e quer também aprender a capoeira.

Agradecimentos especiais aos capoeiristas Zoinho (Academia de João Pequeno de Pastinha), Marcelo (....), Lim (.....), Miguel (Louvadeus de João Pequeno), e a André Galvão, da Secretaria de Cultura de Londrina, que acompanhando as entrevistas realizadas, colaboraram neste trabalho fazendo também suas perguntas ao Mestre.

Fonte: Revista Capoeira

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