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A História e a Função dos Instrumentos Musicais na Capoeira - Parte II

Artigo sobre Capoeira & Instrumentos Musicais - Parte Final.



Raphael Pereira Moreno
São Carlos, Maio de 2005

Apresentação:No artigo anterior falamos sobre a importância dos Instrumentos Musicais na Capoeira, com ênfase principalmente no Berimbau e seus toques. Hoje trazemos para nossos leitores a função do Pandeiro, Atabaque,  Reco-reco e Agogô.
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Pandeiro

Muito difundido e utilizado por diversos povos, o pandeiro é considerado um instrumento muito antigo, encontrado na Índia e até junto aos egípcios (1700 a.C.), com função de instrumento marcador de ritmo e acompanhamento. Da cultura árabe surge o adufe, que é um pandeiro quadrado sem platinelas.

A maior parte dos estudos aponta para chegada do pandeiro ao Brasil por via portuguesa. Inclusive existe registro que esse tambor já estaria presente na primeira procissão de Corpus Christi, realizada na Bahia, a 13 de junho de 1549. Fato esse que reforça a hipótese da chegada do pandeiro em navegações portuguesas para o Brasil, uma vez que a mão de obra escrava utilizada em maior quantidade nessa época era indígena. Com o passar do tempo, o instrumento foi absorvido pelos negros que passaram a utilizá-lo em suas manifestações culturais no Brasil.

Na capoeira, o pandeiro trabalha na marcação do ritmo estabelecido pelo berimbau. Na maioria das rodas de capoeira, o pandeiro utilizado possui pele de couro animal, tornando-se assim menos estridente. Inclusive, existem relatos de que Mestre Bimba retirava algumas platinelas do instrumento, tornando o som ainda mais grave, o que ele considerava o tambor da Regional. Em recente texto sobre instrumentos musicais, o amigo Miltinho Astronauta cita o cuidado que alguns capoeiras têm com seus instrumentos, como o saudoso Mestre Cosmo tinha com a afinação dos pandeiros. Segundo o mestre, os pandeiros deveriam ser afinados no tempo... no sereno, e tocados em pares, onde um marcava o passo e o outro se soltava no solo.


Atabaque

Assim como o pandeiro, os tambores são instrumentos muito antigos. Difundido na África, o tambor também aparece em registros persas e árabes. Inclusive o termo atabaque é de origem árabe. Mesmo com essa ligação africana, acredita-se que o instrumento já tinha sido trazido por mãos portuguesas quando chegaram os escravos africanos.

Uma vez aqui no Brasil, o atabaque foi incorporado à cultura afro-brasileira de uma forma tão intensa que grande parte das manifestações culturais e religiões afro-brasileiras, se não todas, apresentam o tambor como instrumento musical marcante. O samba, o jongo, o maculelê, o batuque, a umbanda e principalmente o candomblé são exemplos.

Em documentário do diretor pernambucano Alexandre Fafe, apresentado recentemente pela TV Cultura, aparecem velhos e jovens participando de uma brincadeira que eles denominam Batuque de Inhanhum. Muito parecida com o Jongo, essa manifestação de origem negra se apresenta em uma roda, onde homens e mulheres se revezam no centro dançando em duplas, seguindo o som dos instrumentos tocados pelos mais experientes. No documentário, Inhanhum é mostrada como uma cidade muito simples, que através de seus moradores, tenta manter viva a cultura popular da região. Tão simples que o ritmo do Batuque é feito por tocadores de latas e pandeiros. Os instrumentistas que entoam as antigas cantigas utilizam latas usadas (de tinta ou óleo) para desenvolver o som. Ao assistir essa passagem, me veio a idéia do tambor como um instrumento rítmico totalmente intuitivo. Na verdade, o bater sincronizado das mãos nos mais diversos objetos (lembrando Sivuca e Hermeto Pascoal) faz ecoar sons, sendo os tambores construções evoluídas que otimizam assim o som emanado das batidas.

Porém, mais do que um instrumento musical, o atabaque é considerado por muitos um instrumento sagrado. No candomblé, os atabaques possuem participação especial, capazes de realizar, junto com os cantos, a ligação entre o mundo dos homens e dos orixás. Na capoeira, como não poderia deixar de ser, o atabaque se fez presente nos primórdios do jogo. Instrumento que, quando bem tocado, fornece uma beleza maior às baterias, aparece com frequência nas rodas de capoeira como instrumento de marcação do ritmo estabelecido pelo berimbau. Uma exceção surge nas vadiações dos capoeiras que seguem "à risca" os ensinamentos de mestre Bimba, dentre os quais a não utilização do atabaque.

Mesmo que alguns pesquisadores afirmem que a utilização do tambor na capoeira não teve uma continuidade histórica, e que o atabaque foi introduzido na capoeira recentemente, talvez por Mestre Canjiquinha, com todo o respeito, considero improvável tal fato. Mestre Bimba, retirando o atabaque da sua bateria antes da década de 30 do século passado, só poderia ter tomado tal decisão se o atabaque estivesse presente na capoeira. Além disso, não desmerecendo os recursos e a criatividade do mestre da alegria, Mestre Canjiquinha nasceu em 1925, o que nos leva a concluir, após uma análise de datas, que seria muito improvável que o mesmo tivesse sido o responsável pela inserção do atabaque na capoeira.


Reco-reco

Instrumento comumente feito de um gomo de bambu, ou até mesmo uma cabaça alongada, com sulcos e tocado com uma vareta. Também aparece em construção de metal contendo molas ao invés de sulcos, como pude assistir em roda de mestre Curió. Acredita-se na sua origem africana, uma vez que sempre esteve ligado às manifestações afro-brasileiras. Atualmente, se mostra presente principalmente no samba, mas também empresta seu ritmo à outros folguetos como o lundu e até mesmo o reggae.

O reco-reco historicamente parece ter sido introduzido na capoeira através do Centro Esportivo de Capoeira Angola de mestre Pastinha. Hoje em dia aparece em muitas rodas dando sua contribuição na marcação do ritmo do jogo. Segundo Miltinho Astronauta, Mestre Gato Preto, um dos organizadores da Capoeira Angola no Vale do Paraíba, introduziu uma forma diferente de se dar início à bateria. No caso, o reco-reco inicia tocando, para só então, depois da assistência perceber que o ritual está sendo iniciado, é que o Berimbau inicia o toque de Angola, seguido pelo São Bento Grande, Angolinha (no Viola) e demais acompanhamentos. Mas em outros trabalhos também orientados por Mestre Gato Preto isto não acontece, ou seja, quem começa tocando sempre são os três berimbaus, e o reco-reco entra com os instrumentos de apoio.


Agogô

Instrumento musical formado por dois cones metálicos unidos por um arco também de metal, o agogô é outro instrumento muito presente na cultura afro-brasileira. Sua entrada no Brasil aconteceu com a chegada dos negros africanos. Inclusive o vocábulo agogô é de origem nagô e significa sino. Assim como no caso do reco-reco, sua aparição inicial nas baterias de capoeira ocorreu, possivelmente, através dos Mestres Pastinha e Canjiquinha.

Presente em diversas danças e ritmos da cultura popular, sua maior participação é muito comum no samba e nos terreiros, nas cerimônias religiosas afro-brasileiras.


Considerações finais

Esse breve descritivo sobre os instrumentos nos permite navegar um pouco pela história da capoeira, tentando seguir sua evolução até se tornar o que conhecemos hoje. Nos faz perceber o valor da fusão das culturas na formação da capoeira mostrando mais uma vez seu caráter afro-brasileiro.

Sagu "raphaelmoreno@yahoo.com.br
São Carlos - Janeiro/2005

Fontes consultadas:

1.      Waldeloir Rego. "Capoeira Angola: um ensaio sócio-etnográfico", Ed. Itapoan, Salvador, 1968.
2.      Alexandre Fafe. "Reisado do Inhanhum". TV Cultura.
3.      Letícia Cardoso de Carvalho. "Mestre Canjiquinha " A alegria da capoeria". Revista Praticando Capoeira, ano 1, n° 8.
4.      Rui Takeguma. "Capoeira " Qual é a sua?? Angola, Regional ou Contemporânea". 

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