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A História e a Função dos Instrumentos Musicais na Capoeira - Parte I

Artigo de Raphael Pereira Moreno onde o autor aborda a função dos instrumentos musicais na história da Capoeira. Esta é a primeira parte do texto, que se completará com o próximo Toque de Capoeira



MÚSICA: A história e a função dos instrumentos musicais na capoeira.

            Seguindo as notas sobre a origem da capoeira no Brasil (Toques de Capoeira nº 1 e n° 2), chegamos à conclusão de que nos três focos iniciais, Rio, Bahia e Pernambuco, a capoeira se apresentou de formas diferentes, nem sempre sendo acompanhada por música e instrumentos. Portanto, ao falar de instrumentos musicais, estou me referindo à capoeira que foi encontrada inicialmente na Bahia e que hoje em dia se espalhou pelo mundo.

            É muito difícil determinar com precisão a data de inserção de um determinado instrumento musical na capoeira. Além disso, em alguns livros e relatos, folcloristas, capoeiras e pesquisadores em geral descrevem as histórias dos instrumentos de forma definitiva, o que provavelmente corresponde à capoeira que vivenciaram, acabando por chegar em algumas conclusões contraditórias. Tentarei analisar os registros que tive acesso e citar as fontes que considero mais importantes.

O primeiro registro de um instrumento musical relacionado com o jogo da capoeira aparece no início do século XIX, em 1835. Nessa ocasião, o artista Johann Moritz Rugendas apresenta na gravura de nome "Dança da Guerra", o jogo da capoeira sendo brincado ao som de uma espécie de tambor.

Esse registro é importantíssimo e clássico na capoeira, pois comprova a utilização do tambor durante uma vadiação ou seria treinamento para luta? - de capoeira do século XIX. Porém não significa que nesta época não existissem outros instrumentos musicais associados ao jogo. Aquela foi a forma retratada por Rugendas, não excluindo a possibilidade da presença de outros instrumentos. Como descrevi antes, essa pode ter sido a capoeira que Rugendas viu e viveu durante sua estadia no Brasil. Porém, o mais importante é o registro da capoeira como manifestação muito difundida no início do século XIX, e da importância dos instrumentos musicais no jogo.

Seguindo os registros históricos, podemos perceber que a introdução de alguns instrumentos musicais utilizados atualmente é recente. Tudo indica que instrumentos como o agogô e reco-reco foram associados ao jogo da capoeira no século XX. Muitos aparecem com a criação do Centro Esportivo de Capoeira Angola de Mestre Pastinha, ou seguindo a criatividade dos capoeiras. Há relatos de outros instrumentos presentes também no ritual da Angola, ou na Capoeira primitiva da Bahia, como é o caso da palma-de-mão e até da Viola (vide depoimento de Mestre Pastinha). Pastinha se referia à Capoeira Santamarense, onde segundo o Etnomusicólogo Thiago de Oliveira Pinto, a Capoeira, o Samba e o Candomblé sempre tiveram uma interação muito forte.

Na seqüência são apresentados os instrumentos musicais mais utilizados nas rodas atuais de capoeira.


O Berimbau
 
Caindo na classificação das cítaras, o berimbau que conhecemos hoje em dia pode ser descrito por um arco de madeira flexível, onde suas pontas são ligadas por um arame, tendo como caixa de ressonância uma cabaça que é presa em uma das pontas da madeira.

A origem desse instrumento ainda não é definida. Trata-se de um dos instrumentos musicais mais antigos, e segundo Kay Shaffe, já era conhecido por volta de 15.000 a.C. A entrada do berimbau no Brasil também não pode ser estabelecida com precisão, mas é provável a associação com os escravos. Desde os primeiros registros, o berimbau sempre apareceu sendo tocado por negros africanos e descendentes, além do fato dos arcos musicais africanos serem iguais aos brasileiros, em construção. Waldeloir Rego também cita que em Cuba, o berimbau, lá chamado de sambi entre outros nomes, aparece em cultos religiosos de origem afro-cubanas. Outra característica que reforça a introdução africana do berimbau no Brasil, é o fato de que antes da colonização, não existem registros de arcos musicais na cultura dos índios que aqui viviam.

Recentemente, circulou através de mensagem (e-mail) do capoeira Teimosia, se não me falha a memória, uma página de uma revista internacional de percussão contendo desenhos de arcos musicais de diversos lugares do mundo. Dentre os esboços, a maior parte composta de um arco contendo uma caixa de ressonância das mais variadas formas e presas nos mais variados lugares. O comentário vale para ressaltar que analisei os desenhos e o arco musical que mais se assemelha com o "nosso" berimbau estava classificado como instrumento musical da Tanzânia... ????

Um dos primeiros registros de um berimbau no Brasil foi realizado na alfândega do porto de Santos, em 1739. O instrumento também foi descrito por Debret em 1826. Em seu trabalho intitulado "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil", o artista francês apresenta o desenho de um cego tocador de berimbau pedindo esmola, com uma breve descrição do instrumento e modo de tocar.

Uma vez no Brasil, ainda é muito difícil precisar a data da associação do berimbau com a capoeira. Atualmente, o instrumento é considerado indispensável na bateria de capoeira. Normalmente tocado por mestres ou capoeiras mais antigos, ele é utilizado para comandar as rodas, estabelecendo o ritmo das músicas e do jogo. O berimbau, junto com o canto do mestre, também dá a senha para o início e fim da brincadeira. Atualmente a arte de tocar o berimbau é utilizada inclusive para mostrar o conhecimento do capoeira, como tem sido muito discutido nesses dias.

Humbo, rucumbo, rucungo, rucumbo, urucungo, lucungo, gunga hungo, m'bolumbumba, marimba, gobo, bucumbunga, bucumbumba, uricungo, oricungo, orucungo, matungo, macungo, berimbau de barriga, violam e viola de arame são alguns dos nomes utilizados na literatura para descrever o berimbau. Hoje em dia, os nomes que sobreviveram, até devido à utilização nas cantigas são berimbau, gunga e viola. Dizem inclusive que o nome berimbau seria de origem portuguesa, enquanto gunga seria o nome africano, que na língua Yorubá significa Rei.

Nas rodas de capoeira, o instrumento tanto aparece sozinho, na maioria das vezes nas rodas da chamada Capoeira Regional, quanto em parceria com outros berimbaus. Porém, hoje em dia é comum vermos nas rodas de Capoeira Angola a bateria formada por três berimbaus. Um de som grave também chamado berra-boi ou gunga, um de som agudo chamado viola, e um último de som intermediário entre os dois primeiros, chamado médio. Durante o jogo de capoeira, cada berimbau possui sua função, e dessa forma, nas rodas de capoeira angola, cada um segue um toque, uma batida diferente. Uma ressalva se faz para lembrar dos mestres que montam sua charanga (bateria) conforme os modos da Luta Regional Baiana de Mestre Bimba. Neste caso, mesmo que na bateria existam dois berimbaus, em geral ambos seguem o mesmo toque.

Como existem diversos toques de berimbau, ficando a cargo de cada mestre de capoeira a escolha "certa" ou que mais lhe agrada, sugiro para os interessados a leitura do livro "Monografias Folclóricas 2" O Berimbau-de-barriga e seus toques", de Kay Shaffer. Nesse livro, o autor percorre a história do berimbau e analisa os toques mais utilizados pelos capoeiras mais famosos, inclusive descrevendo os mesmos através de partituras.

De som marcante, o berimbau se tornou um instrumento característico da capoeira. Tão característico que ao vermos um arco musical com esse formato, as pessoas, capoeiras ou não, já associam imediatamente a imagem ao jogo de capoeira. O mesmo não acontece com os outros instrumentos presentes na bateria de capoeira, como pandeiro, atabaque e outros, pois eles aparecem também em outras manifestações da cultura afro-brasileira como o samba, o jongo dentre muitas outras.

            O assunto segue e num próximo TOQUE serão abordadas a história e a utilização de outros instrumentos também presentes no ritual do jogo de capoeira.

Sagu "raphaelmoreno@yahoo.com.br"
São Carlos - Janeiro/2005

Fontes consultadas:

1.     Waldeloir Rego. "Capoeira Angola: um ensaio sócio-etnográfico", Ed. Itapoan, Salvador, 1968.
2.     Miltinho Astronauta. "Az de Ouro, Tira-teima e Criolinha". 2004.
3.     Kay Shaffer. "Monografias Folclóricas 2 " O berimbau-de-barriga e seus toques".

Via: Jornal do Capoeira

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