Mestre Pastinha
(1889-1981)
Vicente Joaquim Ferreira Pastinha (Salvador - Brasil, 5 de Abril de 1889 — 13 de Novembro de 1981), foi um dos principais mestres de Capoeira da história.
Mais conhecido por Mestre Pastinha, filho do espanhol José Señor Pastinha e de Dona Maria Eugênia Ferreira, seu pai era um comerciante, dono de um pequeno armazém no centro histórico de Salvador e sua mãe, com a qual ele teve pouco contato, era uma negra natural de Santo Amaro da Purificação e que vivia da venda de acarajé e de lavadeira para famílias mais abastadas da capital baiana. Nasceu em 1889 e dizia não ter aprendido a Capoeira em uma escola, mas "com a sorte"
"Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente. Vem cá, meu filho, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raiva vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui". Começou então a formação do mestre que dedicaria sua vida à transferência do legado da Cultura Africana a muitas gerações. Segundo ele, a partir deste momento, o aprendizado se dava a cada dia, até que aprendeu tudo. Durante 3 anos, Pastinha passou tardes inteiras num velho sobrado da Rua do Tijolo em Salvador, treinando golpes como meia-lua, rasteira, rabo de arraia e outros. Ali aprendeu a jogar com a vida e a ser um vencedor. Além das técnicas, muito mais lhe foi ensinado por Benedito, o africano seu professor. "Ele costumava dizer: não provoque, menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe (...). Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito."
Viveu uma infância feliz, porém, modesta. Durante as manhãs frequentava aulas no Liceu de Artes e Ofício, onde também aprendeu pintura. A tarde, empinava pipa e jogava capoeira. Aos 13 anos era o moleque mais respeitado e temido do bairro. Mais tarde, foi matriculado na Escola de Aprendizes Marinheiros por seu pai, que não concordava muito com a vadiagem do moleque. Conheceu os segredos do mar e ensinou aos colegas as manhas da capoeira.
Aos 21 anos voltou para o centro histórico, deixando a Marinha para se dedicar à pintura e exercer o ofício de pintor profissional. Suas horas de folga eram dedicadas à prática da capoeira, cujos treinos eram feitos às escondidas, pois no início do século esta luta era crime previsto no Código Penal da República.
Foi na atividade do ensino da Capoeira que Pastinha se distinguiu. Ao longo dos anos, a competência maior foi demonstrada no seu talento como pensador sobre o jogo da Capoeira e na capacidade de comunicar-se. Os conceitos do mestre Pastinha formaram seguidores em todo Brasil. A originalidade do método de ensino, a prática do jogo enquanto expressão artística formaram uma escola que privilegia o trabalho físico e mental para que o talento se expanda em criatividade. Foi o maior propagador da Capoeira Angola, modalidade "tradicional" do esporte no Brasil.
Em Fevereiro de 1941, fundou a primeira escola de capoeira legalizada pelo governo baiano, o Centro Esportivo de Capoeira Angola (CECA), no casarão nº 19 do Largo do Pelourinho, na Bahia, esta foi sua primeira academia-escola de capoeira. Hoje, o local que era a sede de sua academia é um restaurante do Senai. Disciplina e organização eram regras básicas na escola de Pastinha e seus alunos jogavam calçados e sempre usavam calças pretas e camisas amarelas, cores do Ypiranga Futebol Clube, time do coração de Pastinha e assim ele fazia sua homenagem ao time.
Mestre Pastinha viajou boa parte do mundo levando a capoeira para representar o Brasil em vários festivais de arte negra. Em 1966, integrou a comitiva brasileira ao primeiro Festival Mundial de Arte Negra no Senegal, e foi um dos destaques do evento. Ele usava todos os seus talentos para valorizar a arte da capoeira. Contra a violência, Mestre Pastinha transformou a capoeira em arte. Fazia versos e chegou a escrever um livro. Em 1965 publicou o livro Capoeira Angola, pela Gráfica Loreto, em que defendia a natureza desportista e não-violenta do jogo. Pastinha trabalhou muito em prol da capoeira. Divulgou a arte o quanto lhe foi possível e foi reconhecido por muitos famosos que se maravilhavam com suas exibições.
Entre seus alunos estão Mestres como João Grande, João Pequeno, Curió, Bola Sete (Presidente da Associação Brasileira de Capoeira Angola), entre muitos outros que ainda estão em plena atividade. Sua escola ganhou notoriedade com o tempo, frequentada por personalidades como Jorge Amado, Mário Cravo e Carybé, cantado por Caetano Veloso no disco Transa (1972).
Aos 84 anos e muito debilitado fisicamente, deixou a antiga sede da academia para morar num quartinho velho do Pelourinho, com sua segunda esposa, Dona Maria Romélia e a única renda financeira que tinha era a das vendas dos acarajés que sua esposa vendia. Apesar da fama, o "velho Mestre" terminou seus dias esquecido. Expulso do Pelourinho em 1973 pela prefeitura, sofreu dois derrames seguidos, que o deixaram cego e indefeso.
Vicente Joaquim Ferreira Pastinha morreu aos 92 anos, numa sexta-feira no dia 13 de Novembro de 1981, no abrigo D. Pedro II em Salvador, e estava cego e paralítico. Pastinha participou do último jogo de sua vida. Desta vez, com a própria morte. Ele, que tantas vezes jogou com a vida, acabou derrotado pela doença e pela miséria. Durante décadas dedicou-se ao ensino da Capoeira. Mesmo completamente cego, não deixou seus discípulos. E continua vivo nos capoeiras, nas rodas, nas cantigas, no jogo. "Tudo o que eu penso da Capoeira, um dia escrevi naquele quadro que está na porta da Academia. Em cima, só estas três palavras: Angola, capoeira, mãe. E embaixo, o pensamento:
"Mandinga de escravo em ânsia de liberdade, seu princípio não tem método e seu fim é inconcebível ao mais sábio capoeirista."
Pequeno e notável em sua arte, Pastinha nos deixou seus ensinamentos de vida em muitas mesangens fortes e inesquecíveis como esta: "Ninguém pode mostrar tudo o que tem. As entregas e revelações têm que serem feitas aos poucos. Isso serve na capoeira, na família e na vida. Há momentos que não podem ser divididos com ninguém e nestes momentos existem segredos que não podem ser contados a todas as pessoas". (Mestre Pastinha 10/10/1980).
Alguns traços de Mestre Pastinha:
- "Mandinga de escravo em ânsia de liberdade"
- "Capoeira é para homem, menino, velho e até mulher, não aprende quem não quer"
- "Cada um é cada um"
- "O negócio é aproveitar os gestos livres e próprios de cada qual"
- "Berimbau é o primitivo mestre da vibração e ginga ao corpo da gente"
- "Sou discípulo que aprende, um mestre que da lição"
- "Capoeira é tudo que a boca come"
Mestre Pastinha explicando a Chamada:
"A chamada é uma filosofia do angoleiro, é a malícia do angoleiro. Por que hoje a humanidade se preocupa muito em ficar forte, em fazer artes marciais, em ficar atleta para jogar capoeira. A capoeira não depende disso, a capoeira depende da técnica, malícia e sagacidade. Quando o camarada tá muito brabo dentro da roda, quer bater, quer pisar, eu chamo ele. Ele vai entender do jeito que souber, pois a violência do angoleiro não está em dar rasteira, nem pontapé, nem murro. A malícia do angoleiro está realmente nas chamadas".
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