Pular para o conteúdo principal

Jongo

Jongo é uma manifestação cultural essencialmente rural diretamente associada à cultura africana no Brasil e que influiu poderosamente na formação do Samba carioca, em especial, e da cultura popular brasileira como um todo.
Inserindo-se no âmbito das chamadas 'danças de umbigada' (sendo portanto aparentada com o 'Semba' ou 'Masemba' de Angola), o Jongo foi trazido para o Brasil por negros bantu, seqüestrados nos antigos reinos de Ndongo e do Kongo, na região compreendida hoje por boa parte do território da República de Angola.
Composto por música e dança características, animadas por poetas que se desafiam por meio da improvisação, ali, no momento, com cantigas ou pontos enigmáticos ('amarrados') , o Jongo tem, provavelmente, como uma de suas origens mais remotas (pelo menos no que diz respeito á estrutura dos pontos cantados) o tradicional jogo de adivinhas angolano, denominado Jinongonongo. Uma característica essencial da linguagem do Jongo é a utilização de símbolos que, além de manter o sentido cifrado, possuem função supostamente mágica, provocando, supostamente, fenômenos paranormais. Dentre os mais evidentes pode-se citar o fogo, com o qual são afinados os instrumentos; os tambores, que são consagrados e considerados como ancestrais da comunidade; a dança em círculos com um casal ao centro, que remete à fertilidade; sem esquecer, é claro, as ricas metáforas utilizadas pelos jongueiros para compor seus "pontos" e cujo sentido é inacessível para os não-iniciados.
Hoje em dia podem participar do Jongo homens e mulheres, mas esta participação, em sua forma original era rigorosamente restrita aos iniciados ou mais experientes da comunidade. Este fator relaciona-se a normas éticas e sociais bastante comuns em diversas outras sociedades tradicionais - como as indígenas americanas - baseadas no respeito e obediência a um conselho de indivíduos 'mais velhos' e no 'culto aos ancestrais'.
Pesquisas históricas indicam que o Jongo possui, na sua origem, relações com o hábito recorrente das culturas africanas de expressão bantu, durante o período colonial, de criar diversas comunidades, semelhantes a sociedades secretas e seitas político-religiosas especializadas, dentre as quais podemos citar até mesmo irmandades católicas, como a Congada. Estas fraternidades tiveram importante papel na resistência à escravidão, como modo de comunicação e organização, e até mesmo comprando e alforriando escravos.
Dançado e cantado outrora com o acompanhamento de urucungo (arco musical bantu, que originou o atual berimbau), viola e pandeiro, além de três tambores consagrados, utilizados até os nossos dias, chamados de Tambu ou 'Caxambu', o maior - que dá nome a manifestação em algumas regiões - 'Candongueiro', o menor e o tambor de fricção 'Ngoma-puíta' (uma espécie de cuíca muito grande), o Jongo é ainda hoje bastante praticado em diversas cidades de sua região original: o Vale do Paraíba na Região Sudeste do Brasil, ao sul do estado do Rio de Janeiro e ao norte do estado de São Paulo. Entre as diversas comunidades que mantêm (ou, até recentemente, mantiveram) a prática desta manifestação, pode-se citar, como exemplo, as localizadas na periferia das cidades de Valença, Vassouras , Paraíba do Sul e Barra do Piraí (Rio de Janeiro) além de Guaratinguetá e Lagoinha (São Paulo), com reflexos na região dos rios Tietê, Pirapora e Piracicaba, também em São Paulo (onde ocorre uma manifestação muito semelhante ao Jongo conhecida pelo nome de 'Batuque') e até em certas localidades no sul de Minas Gerais.
Na cidade do Rio de Janeiro, a região compreendida pelos bairros de Madureira e Oswaldo Cruz, já nos anos imediatamente posteriores à abolição da escravatura, centralizou durante muito tempo a prática desta manifestação na zona rural da antiga Corte Imperial, atraindo um grande número de migrantes ex-escravos, oriundos das fazendas de café do Vale do Paraíba. Entre os precursores da implantação do Jongo nesta área se destacaram a ex-escrava Maria Teresa dos Santos muitos de seus parentes ou aparentados além de diversos vizinhos da comunidade, entre os quais Mano Elói (Eloy Anthero Dias), Sebastião Mulequinho e Tia Eulália, todos eles intimamente ligados a fundação da Escola de Samba Império Serrano, sediada no Morro da Serrinha.
A partir de meados da década 70, no mesmo Morro da Serrinha, o músico percussionista Darcy Monteiro 'do Império' (mais tarde conhecido como Mestre Darcy), a partir dos conhecimentos assimilados com sua mãe, a rezadeira Maria Joana Monteiro (discípula de Vó Teresa), passando a se dedicar à difusão e a recriação da dança em palcos, centros culturais e universidades, estimulando por meio de oficinas e workshops, a formação de grupos de admiradores do Jongo que, embora praticando apenas aqueles aspectos mais superficiais da dança, deslocando-a de seu âmbito social e seu contexto tradicional original, dão hoje a ela alguma projeção nacional.
Ainda no âmbito da cidade do Rio de Janeiro, é digno de nota também o 'Caxambu do Salgueiro', grupo de Jongo tradicional que, comandado por Mestre Geraldo, animou, pelo menos até o início da década de 1980, o Morro do Salgueiro, no bairro da Tijuca e era composto por figuras históricas daquela comunidade, entre as quais Tia Neném e Tia Zezé, famosas integrantes da ala das baianas da Escola de Samba G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro.
Em 1996 aconteceu no município de Santo Antonio de Pádua, Rio de Janeiro, o I Encontro de Jongueiros, resultado de um projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense/UFF, desenvolvido pelo campus avançado que a universidade possui neste município. Deste encontro participaram dois grupos de jongueiros da cidade e mais um de Miracema, município vizinho. A partir daí, o encontro passou a ser anual. Hoje, cerca de treze comunidades jongueiras participam deste Encontro. O mais recente, o XII Encontro de Jongueiros, foi realizado nos dias 25 e 26 de abril de 2008 em Piquete / SP e teve a participação de 1000 jongueiros das cidades de Valença-Quilombo São José, Barra do Pirai, Pinheiral, Angra dos Reis, Santo Antonio de Pádua, Miracema, Serrinha, Porciúncula, Quissamã, Campos, São Mateus, Carangola, São José dos Campos, Guaratinguetá, Campinas e Piquete.
Em 2000, durante a realização do V Encontro de Jongueiros, em Angra dos Reis, Rio de Janeiro, foi criada a Rede de Memória do jongo e do Caxambu cujo objetivo é organizar as comunidades jongueiras e fortalecer suas lutas por terras, direitos e justiça social.

Quando os negros foram trazidos para o Brasil, trouxeram como bagagem suas práticas sociais, entre elas: a música, a dança e a religião. A música para eles, tinha conotação tanto religiosa como festiva e geralmente era associada a dança e ao canto.

É evidente, que com o passar do tempo, todas estas práticas foram sofrendo modificações ou ajustes, uma vez que, mesclou-se com a cultura do povo que aqui já habitava, passando então, a abordar novos temas. Também foram utilizados para estas evoluções, instrumentos europeus e indígenas, pelo seu fácil acesso e sobretudo, foi adotada a língua portuguesa, como língua de expressão.

Jongo é portanto, uma dança de origem afro-brasileira, do mesmo tronco do batuque, ambos ancestrais do samba e do pagode. O Jongo formou-se nas terras por onde andou o café. Surgiu na Baixada Fluminense, subiu a Mantiqueira. Entrou também pela Zona da Mata mineira. No estado montanhês o jongo é conhecido por "caxambu", aliás, denominação dada também ao instrumento fundamental dessa dança, o ataque grande, membranofônio, ora chamado tambu, ora angona, ora caxambu. Denominação essa só adstrita ao jongo porque ele tem muitos outros nomes pelo Brasil afora, em outras danças e cerimônias.

Em Taubaté, São Luís do Paraitinga, Pindamonhangaba e Cunha, encontram-se os últimos redutos de jongueiros do Vale Paulista, no momento, em fase de revivescência. Estruturado em roda, em torno de uma fogueira que ajuda a manter a afinação dos tambores, acontece hoje em praças públicas, da mesma forma que, outrora, acontecia nos terreiros. Com ela, os participantes homenageiam São Benedito e os antepassados negros.

DANÇA

Na dança participam homens e mulheres alternados, sempre em redor dos instrumentos, sendo o tambu e o candogueiro colocados no solo. É uma dança de roda que se movimenta no sentido contrário aos dos ponteiros do relógio.
No centro da roda, se posiciona um solista, um jongueiro, que canta sua canção, o “ponto”. Os demais respondem em coro de algumas vozes, fazendo movimentos laterais e batendo palmas, nos lugares. O solista improvisa passos movimentando todo o seu corpo. De vez em quando os dançantes dão um giro com o corpo e quando se cansam, saem da roda e descansam.

INSTRUMENTOS

O instrumental é composto geralmente, por dois tambores, um grande, o Tambu e um menor (também chamado joana), o Candongueiro. Encontramos ainda: uma Puíta, a nossa tão conhecida cuíca artesanal; um chocalho, o Guaiá, feito de folhas-de-flandes ou latas usadas.
O Tambu, atabaque grande, é um pedaço de madeira em que por meio de fogo é feito um buraco de ponta a ponta. Esse toco tem mais ou menos uns 100 a 120 cm de comprimento, e um diâmetro aproximado de 40 cm. Numa das extremidades é colocado um pedaço de couro de boi, e a outra fica livre. Para afinar o tambu, levam-no próximo ao fogo, o que lhe dá um som mais limpo e mais agudo. Quando o couro está frio, dizem que o tambu está rouco.
A execução do Tambu é feita com o tocador montado sobre ele, batendo no couro com as mãos espalmadas. Já o Candongueiro fica preso à cintura do tocador, que permanece de pé ou sentado.
O candongueiro, atabaque menor, é mais delicado e de menor dimensão, 80 a 100 cm, 30 cm de diâmetro, e o seu som é mais agudo, mais "mulher" e lhe foi dado o nome de "joana".
A Puíta é um pau roliço, oco, de mais ou menos 30 cm de comprimento e 15 ou 20 cm de diâmetro. Uma das bocas é recoberta por um couro. No centro deste amarram uma haste de madeira, bem lisa, de 30 cm de comprimento. Ela é tocada da seguinte maneira: o tocador coloca o instrumento entre os joelhos pressionando-o, e com um pano molhado esfrega a haste tirando o som. De vez em quando, coloca uma das mãos sobre o couro, externamente, o que faz tirar sons diferentes, ruídos que mais parecem grunhidos. Para conservar o pano molhado, trazem uma cabaça com água. Tomam um pouco da água e depois cuspindo-a na mão esfregam a haste. Há tocadores que não usam pano, somente a mão molhada, e assim conseguem tirar mais uma gama maior de sons do instrumento.
O Guaiá é uma latinha que contém dentro chumbinhos, pedrinhas ou "contas de capiá", tendo uma alça para segurar. Assemelha-se a uma caneca fechada. É um chocalho com alça. É tocado somente para mudar o canto, para desatar o ponto que está sendo dançado.
Ultimamente, têm-se visto violões e cavaquinhos no acompanhamento e alguns conjuntos de jongo usam até mesmo instrumentos de sopro em suas apresentações.

MELODIA

As melodias são construídas com o uso de poucos sons. A dificuldade reside no texto literário dos “pontos”, pois são todos enigmáticos, metafóricos. A inexistência de textos de sentido simbólico, que dá às palavras uma semântica peculiar aos jongueiros, parece ter tido origem durante a escravidão, quando os negros necessitavam transmitir informações indecifráveis pelos senhores.
O ponto pode ser cantado, rezado ou gungurado, isto é, usando a técnica erudita da "boca chiusa" - sussurro, murmúrio.
O jongo tem início sempre com uma louvação, acompanhada com muito respeito por todos os participantes. Em seguida são cantados os “pontos”, baseados em um verso curto e fácil de ser cantado, que nem sempre são improvisados, pois há aqueles tradicionais que correm o mundo. O ajuste das palavras à música é regulado por compassos fortes.
Quando o solista quer desafiar alguém, canta o “ponto de demanda”; este deverá decifrá-lo, cantando a resposta: fala-se então que “desatou o ponto”. Se não for decifrado, diz-se que “ficou amarrado”. Neste caso, o jongueiro “amarrado” pode passar por várias situações humilhantes e vexatórias, como cair no chão desacordado, ficar sem voz, ou não conseguir andar. É no domínio desse aspecto que se estabelece a hierarquia existente entre os participantes: “cumba” é termo que define os pretos-velhos, antigos na idade e na prática dessa expressão, mestres na arte do improviso, do “amarrar” e do “desatar pontos”.
O decifrador deve colocar a mão em um dos tambores e gritar “cachoeira” ou “machado” ocasião em que todos se calam. Em seguida canta a resposta.

MAGIA

Durante o jongo não há práticas fetichistas nem movimentos convulsivos na dança, mas ela é aproveitada veladamente, em ambientes mais tradicionais, para contatos sutis com a magia.
Acredita-se que um jongueiro quando é derrotado pode atrair para si alguma desgraça. Quando vai enfrentar um adversário afamado é bom enfiar uma faca de ponta fina em um pé de bananeira, fazendo assim uma "fundanga" para que ele não seja capaz de desatar um ponto.
Para se livrar de qualquer perigo, deve-se dançar com um galhinho de arruda ou guiné na orelha esquerda.
O jongo só deve ser dançado à noite, pois as artes que são feitas nele somente são realizadas enquanto não há sol. Geralmente as danças têm início às 21 horas e se prolongam até às 8 horas da manhã do dia seguinte.
Segundo Edir Gandra, autora de Jongo da Serrinha: do terreiro aos palcos (Rio de Janeiro: GGE/UNI-RIO, 1995), "o jongo é uma dança de roda, da qual participam homens e mulheres, realizada ao ar livre e à noite; conta a tradição oral dos jongueiros que era dançada pelos escravos, que a transmitiram a seus descendentes”.

No jongo os escravos podiam através dos pontos fazer suas combinações, contar suas amarguras e criticar seus senhores.
O jongo era uma "brincadeira" permitida pelos senhores, já que outros ajuntamentos dos negros, para os brancos, poderiam resultar em movimentos revoltosos. Assim preservou-se essa expressão folclórica até os dias atuais.

Hoje, encontramos no Grupo Cultural Jongo da Serrinha, formado pela quinta geração de jongueiros e por crianças e jovens da comunidade sob a liderança de Tia Maria do Jongo, um excelente trabalho de divulgação e preservação do patrimônio afro-brasileiro. Parabéns a todos!

Ocorrência:
Cunha, Lagoinha, Pindamonhangaba, São Luís do Paraitinga, Taubaté.

O jongo é uma das mais ricas heranças da cultura negra presente em nosso folclore, pois então, NÃO VAMOS DEIXAR ESTE SONHO ACABAR!


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sequência de Ensino de Mestre Bimba

Vamos começar o Ano acelerado! Nesse primeiro post do ano, tirando o de Feliz Ano Novo é claro, vamos começar relembrando os fundamentos no método de ensino da Regional... O Mestre criou o primeiro método de ensino da capoeira, que consta de uma sequência lógica de movimentos de ataque, defesa e contra-ataque, podendo ser ministrada para os iniciantes na forma simplificada, o que permite que os alunos aprendam jogando com uma forte motivação e segurança. Jair Moura, Ex-aluno explica ” esta sequência é uma série de exercícios físicos completos e organizados em um número de lições práticas e eficientes, a fim de que o principiante em Capoeira, dentro de um menor espaço de tempo possível, se convença do valor da luta, como um sistema de ataque e defesa “. A sequência original completa de ensino é formada com 17 golpes, onde cada aluno executa 154 movimentos e a dupla 308, o que desenvolve sobremaneira o condicionamento físico e a habilidade motora específica dos praticantes. PRIMEIRA

Novo longa de Capoeira: Fly Away Beetle

Está em fase de pós produção o longa-metragem Capoeira: Fly Away Beetle , da produtora americana Bluedot . Filmado nas ruas de Salvador, o documentário mostra a beleza da capoeira e, ao mesmo tempo, explora sua a história, os mitos e todo o simbolismo de seus movimentos. A produção do longa-metragem acompanhou renomados mestres de capoeira de Salvador, conhecendo seus trabalhos, seus colegas e alunos e conhecendo também a esperança, o respeito e a libertação que a capoeira promove. E, com o objetivo de compreender melhor o cenário atual da Capoeira, o filme volta às suas raízes abordando a escravidão, o candomblé, chegando às lendárias histórias de Besouro Mangangá, e retornando aos fatos atuais. Confira o trailer: Capoeira: Fly Away Beetle Trailer from BlueDot Productions on Vimeo . O documentário Capoeira: Fly Away Beetle é uma produção de Slade Renee & Ri Stewart, dirigido por Corbin Cosmos Matt & Lockhart e assistência de Marcio de Abreu, roteiro e narração de Go

A sua Corda é de Valor

A escola ABADÁ-Capoeira tem seu próprio sistema de graduação. Todos começam com a CORDA CRUA e avançam de acordo a sua particularidade. Graduações infantis • 3 Anos - Uma ponta Amarela • 4 Anos - Ponta Amarela • 5 Anos - Ponta Amarela e Laranja • 6 anos - Ponta Laranja • 7 Anos - Ponta Laranja e Azul • 8 Anos - Ponta Azul • 9 Anos - Crua e Amarela • 10 Anos - Amarela • 11 Anos - Crua e Laranja • 12 Anos - Amarela e Laranja • 13 Anos - Laranja • 14 Anos - Crua e Azul • 15 Anos - Amarela e Azul • 16 Anos - Laranja e Azul Graduações Jovens e Adultos Alunos • CORDA CRUA E AMARELA (Transformação) • CORDA AMARELA (O Ouro: Significa a valorização do Aprendizado que será desenvolvido a partir desta graduação) • CORDA AMARELA E LARANJA (Transformação) • CORDA LARANJA (O Sol: Significa o despertar para a consciência do aprendizado) • CORDA LARANJA E AZUL (Transformação) Alunos Graduados • CORDA AZUL (O Mar: Significa a consciência da imensidão do caminho a percorrer)