Durante o Império, as maltas de capoeira atemorizaram a capital. Escravos renegados usavam esse misto de dança e luta para desafiar seus senhores e controlar bairros inteiros da cidade
por Maurício Barros de Castro
No século XIX, o jogo se tornou uma arma dos cativos para desafiar a ordem a impor um poder paralelo em suas comunidades |
Rio de Janeiro, século XIX. Os moradores do atual bairro da Lapa estão reunidos para assistir ao desfile de uma banda militar quando, de longe, avistam um grupo de negros que aparece à frente dos músicos, gingando e dando rasteiras. Eles se aproximam. Começam a exibir suas navalhas e ameaçar o público, tanto verbal quanto corporalmente. A multidão se assusta. Todos sabem o que significam aqueles movimentos: é a temível capoeira que desfila pelas ruas da cidade.
É comum ouvir que essa mistura de dança e luta nasceu no ambiente rural dos quilombos e senzalas, mas os estudos recentes mostram que a capoeira se desenvolveu em diversas cidades portuárias que receberam grande contingente de africanos escravizados, como o Rio de Janeiro. O jogo adquiriu características próprias na capital do Império, onde foi usado pelos escravos “ao ganho”, aqueles que trabalhavam nas ruas da cidade, como instrumento tanto de resistência ao sistema de servidão quanto de controle de determinados territórios.
Os capoeiras, como eram chamados os escravos rebeldes que percorriam os bairros hostilizando os cidadãos, se organizavam em maltas, grupos que funcionavam como espécies de gangues e controlavam áreas específicas da cidade. Temidos pela população, esses bandos eram frequentemente citados nos documentos policiais como uma ameaça à ordem pública, e a capoeira sofreu uma perseguição devastadora no Rio de Janeiro no início da República.
Ocupando territórios delimitados pelas freguesias – como eram chamados os bairros demarcados a partir das igrejas católicas –, o capoeira escravo vivia uma vida dupla entre a casa do senhor e a rua, onde trabalhava carregando água e dejetos, vendendo produtos para o comércio da capital, entre outros afazeres. A rua também era o espaço dos encontros, da organização, das festas, das fugas, dos ataques e onde aprendiam capoeira, que era utilizada nas brigas em grupo ou nos confrontos individuais, fosse à luz do dia ou na escuridão das ruelas e becos que formavam o núcleo da cidade no século XIX.
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