André Luiz Lacé Lopes
Jornal dos Sports - Rio
03 de Set. 1995
Francisco da Silva Ciríaco, mais conhecido como Macaco Velho, nascido em Campos, foi um dos mais afamados capoeiristas na Cidade do Rio de Janeiro, na virada do século 19 para o 20. Era o mestre preferido pelos acadêmicos de medicina, fenômeno que se repetiu na Bahia, décadas mais tarde, com Mestre Bimba. Foram esses estudantes que insistiram no confronto da Capoeira (Macaco Velho) com o jiu-jitsu (Sada Miyako, campeão japonês). Evento que acabou ocorrendo, no dia 1º de maio de 1909, com um fulminante desfecho: aplicando um literalmente surpreendente rabo-de-arraia, Ciriaco encerrou a luta em alguns segundos.
Mesmo existindo uma versão - jamais comprovada - de que Ciriaco teria utilizado um recurso, digamos, de rua, mesmo assim, luta é luta, vale-tudo é vale-tudo, e ninguém jamais poderá negar o mérito da vitória.
A nota, curiosamente, não menciona o nome do "sportman" perdedor. Mais adiante, entretanto, no mesmo jornal garimpei o seguinte anúncio: "JIU-JITSU: Mr. Sada Miyako, professor contratado para leccionar na marinha brasileira encarrega-se de dar lições particulares a domicílio. Cartas para a Rua Gonçalves Dias n. 78 ou para a Fortaleza de Willegaignon"...
Ou será que a nota, de modo até sutil, protesta a respeito do tal recurso de rua acima levemente mencionado?
Décadas se passaram, estamos agora, no final dos anos 40, com a capoeira utilitária de Sinhozinho (Agenor Moreira Sampaio) ressurgindo, subindo aos ringues e colhendo vitórias significativas. Valendo relembrar os confrontos do jovem Rudolf Hermanny com alunos do Mestre Bimba (Perez) e dos Gracie (Guanair). Nesta mesma época, Artur Emídio de Oliveira, um dos mais talentosos capoeiristas que vi jogar, deixa sua Itabuna, na Bahia, e vem para o Rio disposto a divulgar sua arte em qualquer arena. Realiza uma série de lutas, vence algumas, perde outras (inclusive para o Hermanny), mas deixa, sem sombra de dúvida, um exemplo de coragem para os capoeiras-lutadores e, também, escreve seu nome na História da Capoeira.
Já no tempo do nosso saudoso e famoso Sinhozinho (Ipanema, RIO), que formou um respeitável número de "brigadores de capoeira", discutia-se até onde a Capoeira poderia ser eficaz no enfrentamento com outras lutas.
Reascende-se a discussão. Discussão que, fatalmente, ensejará algumas questões preliminares. Como por exemplo, que tipo de Capoeira joga Mestre Hulk, quem foi o seu mestre, joga angola ou regional (aliás, uma falsa dicotomia), que golpes de capoeira mais utiliza em suas vitórias?
Devo adiantar que não acho uma "traição", neste tipo de combate vale-tudo, utilizar recursos de outras lutas. Todos fazem isto, inclusive o jiu-jitsu, não há outra alternativa. Será desejável, entretanto, que a base técnica de cada lutador não fique irreconhecível.
No caso em tela - Mestre Hulk - ficou clara sua base capoeirística.
Vendo e revendo o teipe da sua luta final, analisando a troca de socos com o campeão de jiu-jitsu Amaury Bitetti, não tenho dúvida que Hulk utilizou, inconscientemente que seja, a incrível noção de distância e de tempo que a Capoeira permite desenvolver . Valendo registrar, ainda, a grande diferença entre um mestre de capoeira que joga e luta e os "mestres" estilizados que lutam quando é para jogar e dançam quando é para lutar (sempre em palcos, jamais em ringue).
A discussão está aberta.
Ficando claro, desde já, que o Sr. Sidney Gonçalves Freitas, Mestre Hulk (foto), com o seu talento e com sua valentia, já colocou seu nome na História da Capoeira do subúrbio do Rio (Rocha Miranda!), do RIO/RJ e do próprio Brasil. Que outros bons exemplos apareçam; ou capoeira não é, "também", uma luta marcial?
Do Livro "A Volta do Mundo da Capoeira", de André Lacé. Com base no artigo publicado no Jornal dos Sports, Rio (03, set. l995) e republicado, em jan/2001, no site do CONI/BRASILE/AICS.
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