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Uma das ilustrações de K.Lixto publicadas em 1906 na luxuosa revista Kosmos: perseguida nas ruas, a capoeira era apresentada de forma romântica para a classe dominante |
A capoeira e a elite
Com o fim da escravidão, a capoeira já havia se disseminado por diversas camadas sociais na capital, alcançando não só brancos brasileiros – entre pobres e ricos – como também europeus que viviam na cidade. O poeta português Plácido de Abreu, citado pelo escritor carioca Henrique Coelho Neto como um dos mais valentes capoeiras de sua época, morreu na Revolta da Armada, mas deixou o testemunho de suas experiências entre as maltas cariocas registrado em um livro pioneiro, chamado Os capoeiras, lançado em 1886.
Muitos frequentavam e conheciam o “submundo” da capoeira: intelectuais, profissionais liberais e “até figuras prestigiosas no plano político, como o barão do Rio Branco, quando jovem, e Floriano Peixoto, entre outros, foram apontados como praticantes da arte da capoeiragem”, escreveu o historiador Luiz Sergio Dias no seu livro Quem tem medo da capoeira?. No entanto, nem mesmo os que pertenciam à elite escaparam da fúria perseguidora de Sampaio Ferraz.
O caso da prisão de Juca Reis, em 1890, foi o maior exemplo desse empenho e causou uma grave crise política. Irmão do conde de Matosinhos, Juca era um capoeira conhecido por suas desordens e estava em Portugal quando as perseguições começaram. Quintino Bocaiuva, ministro das Relações Exteriores, era amigo do conde e assegurou a volta de Juca Reis. Ainda assim, ele foi preso e desterrado, apesar dos protestos e do pedido de demissão de Quintino Bocaiuva, o qual não foi aceito pelo presidente. Já o conde, indignado, encerrou suas transações comerciais no Brasil e retornou a Portugal.
O mais irônico do caso é que o próprio Sampaio Ferraz conhecia os golpes de capoeira, tanto que uma vez, ao ensaiar uma disputa com seu amigo, o poeta Luís Murat, levou uma rasteira e bateu com a cabeça na mesa de mármore do Café Inglês, no centro do Rio.
Não deixa de ser curioso que a “redenção” da capoeira tenha sido apresentada à sociedade pela elite. Em 1906, em plena belle époque carioca, a luxuosa revista Kosmos dedicou algumas páginas da sua terceira edição à capoeira, com textos escritos por Lima Campos, explorando uma visão romântica do jogo, e desenhos de Klisto, desenhista que também era capoeira, cujos traços mostram golpes e gírias utilizados na época de forma bem próxima da realidade das ruas.
Não tardou para que, entre intelectuais e integrantes nacionalistas da elite, surgisse a defesa da capoeira como esporte nacional, que deveria ser ensinado das escolas aos quartéis. O principal articulador dessa ideia foi Coelho Neto, que publicou na revista Bazar, em 1928, um artigo defendendo “o nosso jogo”. Não por acaso, a partir desse período e durante os anos 1930, a capoeira começou a ser ensinada nas chamadas academias, deixando aos poucos as ruas. As maltas do Rio de Janeiro ficaram definitivamente para trás, mas se mantêm como um importante acontecimento para entender a história da capoeira e do Brasil.
Maurício Barros de Castro é jornalista, pesquisador e doutor em história social pela Universidade de São Paulo. É autor dos livros Zicartola – Política e samba na casa de Cartola e Dona Zica (Rio Arte/Relume Dumará, 2004) e Mestre João Grande – Na roda do mundo (Biblioteca Nacional/Garamond, 2010).
Fonte: História Viva
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